sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

30 de Maio

30 de Maio



“ (…) Fui hoje testemunha de uma cena, que, bem descrita, daria o mais belo idílio do mundo.
(…) Se, após este exórdio, esperas alguma descrição grandiosa e sublime, vais sofrer uma desilusão. Foi simplesmente um camponês que despertou em mim esta emoção.
(…) Estavam reunidas algumas pessoas debaixo das tílias, a tomar o café; como, porém, não fossem muito do meu agrado, procurei um pretexto e deixei-me ficar para trás.
Vi então sair de uma casa próxima um camponês, ainda novo, que foi fazer qualquer reparação na charrua que eu tinha desenhado. Agradou-me o seu aspecto, e aproximando-me dirigi-lhe perguntas sobre o seu modo de vida. Dentro em pouco já entre nós havia uma certa intimidade, como me acontece frequentes vezes quando falo com esta boa gente.
Contou que estava ao serviço duma viúva, por quem era tratado com extrema bondade.
Mas com tanto entusiasmo me falou dela, tecendo-lhe tão grandes elogios, que compreendi rapidamente que ele lhe era dedicado de corpo e alma.
-- Já não é nova – acrescentou ele – e, como foi muito infeliz com o marido, que a tratava muito mal, não quer tornar a casar-se.
Toda aquela narrativa mostrava tão claramente quanto a seus olhos ela era bela e sedutora, quanto desejava que ela o acolhesse para lhe fazer esquecer os agravos do marido, com tanta paixão o disse que seria preciso repeti-lo palavra por palavra para poderes compreender a dedicação, o amor e o entusiasmo daquele homem. Seria preciso possuir o talento do maior poeta para reproduzir a expressão daqueles gestos, a energia daquele olhar vago e rude e a animação daquele semblante. Não. As minhas palavras só imperfeitamente te descreveriam a ternura que lhe brilhava nos olhos; tudo o que eu dissesse seria vago e descolorido. Impressionou-me em especial o receio que ele deixou transparecer de que eu concebesse quaisquer desconfianças sobre o bom procedimento do seu ídolo, ou que a suspeitasse capaz de esquecer o que devia à própria dignidade.Aquela linguagem abalou-me profundamente o coração. Nunca na vida encontrei tanto ardor aliada a tanta pureza. Digo-o sinceramente; nunca tinha imaginado, ou sequer sonhado essa pureza. Não me ralhes se à recordação desta inocência e sinceridade sinto no interior um fogo abrasador que me persegue para onde quer que vá, e me inflama, me consome e enfraquece. Quero ver essa mulher… mas não… pensando melhor, devo evitá-la e vê-la apenas pelos olhos do seu adorador. Talvez aos meus olhos ela não parecesse tão bela como é neste momento. Para quê, pois, prejudicar o meu ideal?”

WERTHER

Goethe

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