sexta-feira, 7 de abril de 2017

VERANEANTES de M. GORKI - Teatro Nacional D.Maria II



"No meio de uma das tardes infindáveis que pontuam Veraneantes, Kaleria deixa cair a frase — Entre nós não há ninguém contente com a vida. À plateia, estas palavras chegam com a força de um desabafo ouvido ao parceiro do lado. Em cena, criam um vácuo entre os elementos de diferentes famílias que passam, como de costume, as suas férias num lugar incerto. A juntar, para lá do horizonte em que vivem estas personagens, espreita um conturbado clima político e social. Estão reunidas as condições para que irrompa a tempestade perfeita de aborrecimento, medo e ciúme. Em Veraneantes, Maksim Gorki cria uma tapeçaria de desejo e frustração que autopsia, então e agora, a nossa impotência perante o desenrolar da vida. Com esta peça, revisita a melancolia presente em Tchekhov — o texto foi escrito em 1904, ano da morte do dramaturgo russo —, pela qual o encenador Nuno Cardoso também passou em Platónov (2008), A Gaivota (2010) e As Três Irmãs, espetáculo que esteve na Sala Garrett, em 2011. " 
D..M II

Photo by Paulo Gil - Huawei P9

"Quando saio de casa para qualquer parte levo sempre comigo uma qualquer vaga esperança... mas regresso a casa sozinha... Isso também acontece consigo?"

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 "Em 1904, ano em que faleceu Anton Tchékhov, na Rússia, Maksim Gorki escrevia Veraneantes. Alguns críticos teatrais consideram que a peça – que se estreou a 9 de março no Teatro Nacional São João (TNSJ), no Porto, com encenação de Nuno Cardoso – é uma espécie de sequela de O Cerejal, de 1903. As referências ao “mestre” da dramaturgia russa, de quem Gorki era admirador e amigo, tanto são diretas, com menções nas falas das personagens, como se deixam descobrir no desenrolar da ação ou até mesmo nas pausas. As semelhanças entre os dois dramaturgos são muitas, mas, em Veraneantes, em cena no TNSJ até dia 18 de março, Gorki é direto no seu “ataque” à classe média e média-alta.
Em Veraneantes, Gorki explora o meio social da pequena burguesia ascendente e as classes trabalhadoras que começam a revelar novas orientações ao pensamento e uma nova postura na ação política e social. Na encenação de Nuno Cardoso – que regressa com este espetáculo à dramaturgia russa – encontramos quatro famílias, com personagens que se dividem por profissões liberais, médicos, engenheiros, advogados e as mulheres deles, um escritor em crise de inspiração e uma poetisa. Numa piscina meia submersa, em época estival, mostram-se acomodados à sua “vidinha”, com vontade de esquecer as suas raízes. Maria Lvovna, uma das personagens, afirma que são, todos eles, “filhos de lavadeiras, de cozinheiros, de gente sadia, gente trabalhadora. Nunca houve no nosso país pessoas instruídas ligadas por laços de sangue à massa do povo”.
A tensão vai agudizando entre conflitos, invejas e traições e com a aspiração e o inconformismo das personagens mais desalinhadas, mas o cenário é encarado como “um recreio”, onde os atores se divertem juntamente com os espectadores. O texto escrito na antecâmara da sangrenta revolta de 1905, que abriria caminho à Revolução Bolchevique de 1917, é claro nesse repto de apelar à ação em detrimento da “conversa”, onde podemos encontrar paralelismos com a atual conjuntura nacional e que são assumidos por Nuno Cardoso. Como refere numa cena Varvara Mikháilovna: “Vivemos de uma maneira estranha! Falamos, falamos e mais nada”.
O espetáculo, que se estrearia em S. Petersburgo, encenada por uma companhia mais experimental, foi alvo de criticas, apupos e artigos hostis, mas Gorki não desmoralizou. Queria que as pessoas visadas em Veraneantes percebessem que o texto era-lhes “dedicado”. A peça acabaria por ser proibida pelas autoridades, uns meses depois da estreia, e Gorki encarcerado, por envolvimento nas manifestações contra o czarismo. O seu amigo Tchékhov acabaria por dizer numa ocasião que ele inventava “pessoas originais que cantam canções em segunda mão”. Talvez seja esse, muitas vezes, o caminho do inconformismo?
Veraneantes resulta de uma coprodução de Ao Cabo Teatro, Centro Cultural Vila Flor, Teatro Nacional D. Maria II e TNSJ. O espetáculo pode ser visto às quartas-feiras, às 19h00, de quinta a sábado, às 21h00, e aos domingos às 16h00. O preço dos bilhetes varia entre os 7,50 e os 16 euros. A sessão de dia 12 março conta com intérprete em Língua Gestual Portuguesa, sendo que nessa data decorre também no TNSJ uma oficina criativa dedicada a crianças e jovens, tendo como mote a peça. Após a temporada no TNSJ, o espetáculo vai ser apresentado no Convento de S. Francisco, Coimbra (22 de março); Theatro Circo, Braga (24 e 25 de março); Centro Cultural Vila Flor; Guimarães (1 de abril); Teatro Nacional D. Maria II, Lisboa (6 a 9 abril) e Teatro Aveirense (13 de abril)."
in Palco das Artes

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